sexta-feira, 22 de abril de 2022

É possível definir zero elevado a zero [Parte 2]

É possível definir zero elevado a zero [Parte 2]

Em matemática há algumas perguntas (ou talvez várias) que embora lidemos com coisas semelhantes em nosso cotidiano, essas perguntas específicas não têm uma resposta rápida que podemos dar de imediato. Uma delas é 0/0, outra é 0! (fatorial de zero) e a que vamos tratar aqui hoje é a 0^0 ou seja, zero elevado a zero.

 


 

 

Há pouco tempo, publicamos neste blog um trabalho que se propôs a falar sobre a indeterminação 0^0. Você pode ver esta postagem no arquivo apontado no link seguinte:

 

 

Talvez seja interessante ver, primeiro, esta postagem, pois o propósito aqui é termos uma continuação do que está naquela postagem.


Como vimos na outra postagem, este é um assunto que já foi tratado por diversos pesquisadores. O que temos aqui é uma situação em que queremos que algo que vale para potências em que a base é diferente de zero e o expoente é igual a zero, valha, ou possa ser estendido de alguma forma para a situação que envolve $0^0$. Não vejo isso como algo necessariamente possível. 

 

Talvez por conta do que geralmente estudamos, acabo ter um viés, reconheço, olhando a situação por meio de funções, ou seja, se conseguíssemos mostrar que não importa qual sejam as funções, $f(x)$ e $g(x)$ que convergem para zero se x tende a zero, $$\lim_{x\rightarrow 0}f(x)^{g(x)}=1,$$ seria ótimo. O problema é que se tomarmos $f(x)=0$ e $g(x)$ uma função qualquer que tenda a zero quando x tende a zero. Neste caso, olhando no limite, $$\lim_{x \rightarrow 0}0^x=\lim_{x \rightarrow 0}0=0$$

 

Se olharmos $0^0$ como esse limite, poderíamos pensar em definir que $0^0=0$. Mas ficamos com uma dúvida: e se a função que estiver na base não for a função nula? E se fosse outra função?


 

 Vejamos alguns exemplos

 

No exemplo seguinte consideramos a função $f(x)=x^x$. Veja o que acontece na medida que $x$ fica cada vez mais próximo de zero. Aparentemente a potência $x^x$ fica cada vez mais próxima de 1 na medida que x tende a zero e isso é fácil de mostrar com recursos de Cálculo Diferencial

Basta notar que $x\ln(x)$ tem um fator que tende a menos infinito ($\ln(x)$) e outro que tende a zero e outro fator que tende a zero (no caso o fator $x$). Para ficarmos em condições de usar a regra de L'Hopital, podemos fazer a seguinte manipulação algébrica: $$x\ln (x)=\frac{\ln(x)}{\frac{1}{x}}$$ e assim, $$\lim_{x\rightarrow 0+} x.\ln(x)=\lim_{x\rightarrow 0+}\frac{\ln(x)}{\frac{1}{x}}=\lim_{x\rightarrow 0+}\frac{D_x[\ln(x)]}{D_x\left[\frac{1}{x}\right]}=\lim_{x\rightarrow 0+}\frac{\frac{1}{x}}{-\frac{1}{x^2}}$$ $$=\lim_{x\rightarrow 0+}\frac{1}{x}\left(-\frac{x^2}{1}\right)=\lim_{x\rightarrow 0+}(-x)=0$$ Assim, o que acabamos de mostrar nos permite concluir que $$0^0=\lim_{x\rightarrow 0+}x^x=\lim_{x\rightarrow 0+}e^{\ln(x^x)}=\lim_{x\rightarrow 0+}e^{x\ln(x)}=e^{\displaystyle{\lim_{x\rightarrow 0+}(x\ln(x))}}=e^0=1.$$

 

Outras possibilidades


Beleza, mas o problema é que $x^x$ não é a única maneira de se aproximar de $0^0$ quando $x\rightarrow 0$. Eis algumas outras formas que vamos apresentar apenas a ideia gráfica, mas não vamos fazer a demonstração, como feito acima. Na próxima figura temos a função $f(x)=(x^2+x)^{\sin(x)}$. Note que aparentemente, para valores próximos de $x=0$ a potência se aproxima de $y=1$.


No exemplo seguinte experimentamos a função $f(x)=(e^x-1)^{\ln(1-x)}$ e, aparentemente, na medida que $x\rightarrow 0$, a potência tende a 1. Note que ela tem a base e o expoente tendendo a zero.

Então aqui temos um pequeno problema. Será que o limite depende das funções que estão na base e no expoente ou será que, basta que a função que está no denominador tenha uma taxa de crescimento muito grande e a outra muito pequena que vamos gerar limites diferentes? Nos dias atuais é muito simples poder experimentar. Nesses experimentos você terá a impressão de que qualquer função que tenha a característica de tender a zero quando x tende a zero, na imagem seguinte está representada pelas funções com gráfico em cor verde e vermelha e verde, ter-se-á, $f(x)^{g(x)}$ representado no gráfico de cor rósea.


Observe que esta abordagem é limitada, pois dependendo do que você coloca na posição de f(x) e g(x) o gráfico pode até não aparecer, como mostramos na figura seguinte em que o gráfico cor rósea, não aparece.


Entretanto, se pedir a um software que calcule o limite (figura acima à esquerda) verá que o limite é 1, embora não esteja aparecendo no gráfico. Você pode experimentar o arquivo do GeoGebra CLICANDO AQUI e para acessar o arquivo do MATHEMATICA na WolframCloude, pode CLICAR AQUI. Para executar o comando, no MATHEMATICA, segure a tecla Shift e aperte o Enter.


Veja, tudo isso é uma ilustração e não uma demonstração. Para mostrar que SEMPRE dará 1 (UM) o limite, é necessário mostrar que se $f$ e $g$ forem funções tais que $$\lim_{x\rightarrow 0}f(x)=0 \mbox{ e }\lim_{x\rightarrow 0}g(x)=0 $$ com $f(x)\not \equiv 0$ então $$\lim_{x\rightarrow 0}f(x)^{g(x)}=1?$$

O problema é que se tentarmos calcular o limite acima chegaremos em $$\lim_{x\rightarrow 0}f(x)^{g(x)}=\lim_{x\rightarrow 0}e^{\ln\left(f(x)^{g(x)}\right)}=\lim_{x\rightarrow 0}e^{g(x) \ln\left(f(x)\right)}=\lim_{x\rightarrow 0}e^{\frac{\ln f(x)}{\frac{1}{g(x)}}}$$ Conseguiremos mostrar que o limite é 1 SE mostrarmos que o numerador tende a zero, certo?

Como $f(x)\rightarrow 0$, então $\ln (f(x)) \rightarrow \infty$ e $\frac{1}{g(x)}\rightarrow \infty$, pois e $g(x)\rightarrow 0^{+}$. Pela regra de L'Hopital passaremos a ter $$\lim_{x\rightarrow 0} \frac{\ln f(x)}{\frac{1}{g(x)}}=\lim_{x\rightarrow 0} \frac{D_x\left(\ln f(x)\right)}{D_x\left(\frac{1}{g(x)}\right)}=\lim_{x\rightarrow 0} \frac{\frac{f'(x)}{f(x)}}{\frac{-g'(x)}{g^2(x)}}=\lim_{x\rightarrow 0} \frac{-f'(x)}{f(x)}\frac{g^2(x)}{g'(x)}$$ $$=\lim_{x\rightarrow 0} \frac{-f'(x)}{g'(x)}\frac{g^2(x)}{f(x)}=\lim_{x\rightarrow 0} \frac{-f'(x)}{g'(x)}\lim_{x\rightarrow 0} \frac{g^2(x)}{f(x)}$$ Por sorte, o Teorema de L'Hopital garante que $$\lim_{x\rightarrow 0} \frac{f(x)}{g(x)}=\lim_{x\rightarrow 0} \frac{f'(x)}{g'(x)}$$ e assim, usando esta igualdade da direita para a esquerda, teremos $$\lim_{x\rightarrow 0} \frac{\ln f(x)}{\frac{1}{g(x)}}=\lim_{x\rightarrow 0} \frac{D_x\left(\ln f(x)\right)}{D_x\left(\frac{1}{g(x)}\right)}=\cdots =\lim_{x\rightarrow 0} \frac{-f'(x)}{g'(x)}\lim_{x\rightarrow 0} \frac{g^2(x)}{f(x)}$$ $$=\lim_{x\rightarrow 0} \frac{-f(x)}{g(x)}\lim_{x\rightarrow 0} \frac{g^2(x)}{f(x)}=\lim_{x\rightarrow 0} \frac{-f(x)}{g(x)} \frac{g^2(x)}{f(x)}=\lim_{x\rightarrow 0} (-g(x))=0.$$

 

Olha que LeGaL!!! Agora, olhando par ao caminho percorrido podemos ver o que precisamos para chegar até aí. Precisamos usar a Regra de L'Hopital, precisamos que $f$ e $g$ tenham o limite quando $x\rightarrow 0^+$ e que sejam funções deriváveis, com $f(x)\not \equiv 0$. Se for assim, $$\lim_{x\rightarrow 0}f(x)^{g(x)}=\cdots =\lim_{x\rightarrow 0}e^{\displaystyle{\frac{\ln f(x)}{\frac{1}{g(x)}}}}=e^{\displaystyle{\lim_{x\rightarrow 0} \left(\frac{\ln f(x)}{\frac{1}{g(x)}}\right)}}=e^0=1.$$

 

Livro: Cálculo - Ilustrado, Prático e Descomplicado
Autores: Geraldo Ávila e este que vos fala ;-)

 

Considerações finais

Com o que mostramos acima, podemos ficar inclinados a definir $0^0=1$, mas veja que a aproximação que usamos acima é uma aproximação restrita a funções contínuas que possuem derivadas que são contínuas também, ou seja, há uma certa regularidade implícita. Você deve ter visto na OUTRA POSTAGEM que há outras formas de se pensar em como chegar em $0^0$. Note também que se considerarmos a função $0^{g(x)}$ com $g(x)\not \equiv 0$ e neste caso $0^0=0$. 

 

Então, eu, particularmente, não veria problema em definirmos $0^0=1$, mesmo com este último contraexemplo da função $0^x$. Na prática, em alguns momentos, já usamos isso. Quando estudamos Série de Taylor, temos a série desenvolvida em torno de $x=a$ fica do seguinte modo: $$f(x)=\sum_{n=0}^{\infty}\frac{f^{(n)}(a)}{n!}(x-a)^n$$ O polinômio de Taylor é uma soma parcial desta série  é o polinômio $$P_n(x)=f(a)+f'(a).\frac{(x-a)^1}{1!}+f''(a).\frac{(x-a)^2}{2!}+\cdots + f^{(n)} (a).\frac{(x-a)^n}{n!}$$ No ponto $x=a$ temos que o polinômio retorna $f(a)$ e no caso o polinômio quando $n=0$ teremos $0^0=1$.


Concluindo... $0^0=1$ não é um consenso, entre os matemáticos, mas não haveria problema, pra mim, definirmos $0^0=1$, mas, no momento é algo indeterminado.

Abração pro 6. :-D





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